quinta-feira, outubro 18, 2007

o dilúvio


Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao cérebro rutilar dos coriscos ardentes.

Pradarias, vergéis, hortos. vinhedos, matos,
tudo desapar'ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.

À flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fúria e angústia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.

É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e repteis caminham para os cumes.

Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chão pobres velhos cansados.
e as mães largam, cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.

Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vão adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.

Raivoso, o touro estripa os míseros humanos
que o estorvam, ao correr em fuga desnorteada,
e pelo ar tenebroso as águias e os milhanos
fogem, com vivo horror, daquela estropeada.

Cresce a treva infernal nos cavos horizontes;
o oceano sobe e muge em raivas cavernosas,
e as ondas, a trepar pelos visos dos montes,
fazem de cada vez cem vítimas chorosas!

Os negros vagalhões, nos bosques mais cimeiros.
silvam e marram já, em golpes iracundos;
resplendem raios mil em rútilos chuveiros,
e os corvos, a grasnar, desolham moribundos.

Blasfémias, maldições elevam-se à porfia;
fustigado plo raio, aumenta o furacão;
cada ruga do mar acusa uma agonia,
cada bolha, ao estalar, solta uma imprecação.

Cresce o mar, sobe o mar... e traga, rudemente.
da m ais alta montanha o píncaro nevado.
e um tremendo trovão aplaude a vaga ardente,
que envolve, ao despenhar-se, o último condenado.

Cresce o mar, sobe o mar, que já topeta os céus:
e, levada plo fero e desabrido norte,
sua espuma, a ferver, molha o rosto de Deus,
que lhe encontra um sabor nauseabundo de morte...

Cresce o mar, sobe o mar... Cada vaga é uma torre!
No céu, o próprio Deus melancólico pasma...
E, pelos vagalhões acastelados, corre
a Arca de Noé, qual navio-fantasma...

Eugénio de Castro

5 comentários:

Luisa disse...

Um texto apocalipto medonho, que provoca calafrios. Será que isto irá acontecer ao nosso planeta? Asim que tiver tempo, lá irei pôr no meu blog os tigres pedidos.

Era uma vez um Girassol disse...

Regressada "da viagem", tendo largado os demónios, a saudade e as mágoas que me atormentavam, renasço para uma vida a dois, de amor e serenidade.
Tempo de amar...sempre!
Beijinho

Isabel Filipe disse...

Não conhecia este fantástico e arrepiante poema.

Gostei imenso.
Obrigada pela partilha

beijinhos

Madalena disse...

Belas palavras transcritas ou na voz de um amigo ausente. Valeu a passagem. :)

Beijos

linfoma_a-escrota disse...

mt bom

Despertemos senhores e senhoras,
esqueçam que tripam com camas e pódios,
nossa vida decorre adormecida vacina
na busca pelo transversal perverso
que nos desperta sem querermos descobrir
o que atrái a simplicidade à matéria.

Como raios de luzes a rasgar as nuvens,
estrelas organizam seu legado orgânico
sempre oposto, danada dádiva de epena,
ter que falar sobre o que cresce e insere-se
nos símbolos do presente lacrimejante,
perante moldes compostos falhados de geleia
cujos sonhos semelhantes não se entesam,
são sobrestimados facilmente, requer
características mais masoquistas
que arrogantes, com a velhice começam
a interromper a experiência crua
e, aos magotes de lulas deixo-me
largar ante o desconforto filosófico
para relembrar quem fui e quem serei;
mera lenga lenga a desejar o milho
do vizinho querido hipocampo FMI,
picuinhando cada tela pombalina como
quem ainda nunca foi experimentado,
dominando-se a implementar o polvo
que nasceu no céu e para lá não voltará,
será nunca libertino da honesta cola uhu
que vive o diário acompanhando
este fim do mundo onde se repetem
trepadeiras cobrirem casas inteiras,
é supra geometria sem enfeites falsos,
é a predisposição de quando ouves a
palavra poesia, só arrancada com dentes
afiados à força porque, cada padeiro ama
cabalamente seus bolos recheados e,
não será minha pupila soporífera que,
algum dia, o fará não saborear sua criação
e impedi-lo de a instituír para dEUS provar.

Seremos mártires de voodoo-iluminati?

A buganvília laranja-pálido cheira a
nicotina alcatroada e bloqueia a passagem
ao carteiro até à moradia onde durmo,
plebeus cardeais intrigam-me, respirando
tudo é erradicável e fácil de respeitar
e, sem querer, implementei grelhas de
desastres hipotéticos que acho desejar,
quando exprimo nada interessar alguém
acreditará nesta ténue torturada escrita.

in quimicoterapia
2004


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