Aldeia global
Aldeia global
por António Azevedo (homenagem póstuma ao amigo Azevedo, filósofo) - 2008
A todos, aos companheiros do estradão da História, à elite eleita pela vida e aos eleitos elegidos por Deus, aos mortos e caídos na berma, aos atropelados, às crianças que morrem secas de seios secos, aos órfãos do ser e do ter, a todos, para quem não há Shakespeare, Deus, Kant, Marx, saúdo. E a ti, Humanidade, minha contemporânea, extemporânea, e a vós, conterrâneos, estrangeiros na própria terra, e concidadãos, em terra de súbditos, saúdo, igualmente. Cidadania e cidadão? Como, se as cidades estão vazias, os subúrbios dormitórios e a ágora sem polémica? O homem universal? Mas alguém sabe de si?
Em verdade, em verdade vos digo: antes da chegada do citoyen du monde, todos serão escravos pós-modernos. Os empreiteiros do global sempre foram os impérios: local onde os locais desaguam: todos os caminhos vão dar a Roma, toda a pirataria a Londres, todos os mares a Lisboa, toda a barbárie a Berlim, todos os caminhos, mares, céus, barbárie, pirataria e petróleo a Washington. A distância entre mare nostrum e full spectrum dominance é a distância entre Roma e Washington. Depois, tudo se esquece e amanhã a História cantará a americanização como hoje, com excepção de Astérix e Obélix, canta a romanização. As histórias aos quadradinhos são bem mais verdadeiras do que a livre. A História tem e cumpre o seu destino: o império global e a dialéctica entre local e global o seu motor. Os homens: obreiros. O intervalo entre os impérios é feito de guerra para chegar a eles. A paz vem com os impérios: pax romana, pax americana. A História, como construção do império global, consummata est: em Washington, a mais ocidental das Babilónias. Em nome da democracia.
E tu, Sócrates, que não és de Atenas nem de Coríntio, de onde és? Atenas histórica deu-te a cicuta, Atenas eterna a eternidade.»