José Saramago
POEMA À BOCA FECHADA
Não direi:
que o silêncio me sufoca e me amordaça
calado estou, calado ficarei,
pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam
se represam, cisterna de águas mortas
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
no negro poço de onde sobem dedos
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
(1922-2010)
R.I.P
Não direi:
que o silêncio me sufoca e me amordaça
calado estou, calado ficarei,
pois que a língua que falo é de outra raça.
Palavras consumidas se acumulam
se represam, cisterna de águas mortas
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas
Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me conhecem.
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas
Nem só animais boiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
no negro poço de onde sobem dedos
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.
José Saramago
(1922-2010)
R.I.P